O sucesso na aquicultura, seja na criação de camarões ou de peixes, está diretamente ligado a um minucioso planejamento de um ciclo de produção. Muitos produtores, no entanto, acabam cometendo equívocos recorrentes que podem comprometer a produtividade, a saúde dos animais e, consequentemente, a rentabilidade do negócio. Negligenciar essa fase inicial é a receita para enfrentar dificuldades que poderiam ser facilmente evitadas.
Este artigo detalha os 10 erros mais comuns no planejamento do ciclo produtivo e apresenta soluções práticas e técnicas para que você possa se antecipar aos problemas e garantir uma despesca de sucesso.
Um dos erros mais primários e, ainda assim, frequentes é a falta de uma análise criteriosa da fonte de abastecimento de água. Parâmetros como pH, alcalinidade, dureza, amônia, nitrito e a presença de metais pesados são cruciais e devem ser conhecidos antes do início do povoamento.
Como evitar: Realize uma análise físico-química e microbiológica completa da água de abastecimento. Para produtores de camarão, por exemplo, a salinidade e o equilíbrio iônico são vitais desde o primeiro dia. Ferramentas de monitoramento contínuo, embora representem um investimento inicial, podem economizar recursos ao prevenir mortalidades em massa. Além disso, conhecer a qualidade da água é fundamental para o manejo de viveiros, um tema que abordamos em outros artigos.
A genética e a saúde dos animais no início do ciclo são determinantes para o resultado final. A aquisição de pós-larvas (PLs) de camarão ou alevinos de peixe de laboratórios ou fornecedores sem certificação e um bom histórico é um risco imenso. Animais de baixa qualidade podem apresentar crescimento desuniforme, maior susceptibilidade a doenças e baixa conversão alimentar.
Como evitar: Busque fornecedores com referências, que ofereçam certificados de sanidade e, se possível, visite as instalações. Para PLs de camarão, verifique a atividade, a uniformidade do tamanho e a ausência de deformidades. Para alevinos, observe o nado, a resposta a estímulos e a saúde das brânquias.
O custo com a ração representa a maior fatia dos custos de produção. Um plano de arraçoamento inadequado, seja por excesso ou por falta, impacta diretamente o desempenho zootécnico e a qualidade da água. O erro está em não ajustar a quantidade e o tipo de ração conforme a biomassa do viveiro, a fase de desenvolvimento e os parâmetros ambientais.
Como evitar: Utilize tabelas de alimentação como ponto de partida, mas ajuste-as com base em biometrias semanais ou quinzenais. Um planejamento de um ciclo de produção eficiente inclui o uso de comedouros para monitorar o consumo e ajustar a oferta, evitando o desperdício de ração que, por sua vez, se decompõe e piora a qualidade da água, aumentando os níveis de compostos nitrogenados.
A tentação de aumentar a densidade de estocagem para maximizar o lucro por área é grande, mas perigosa. Superpovoar um viveiro sem o suporte adequado de aeração e renovação de água leva à deterioração rápida dos parâmetros hídricos, estresse dos animais e surtos de doenças.
Como evitar: A densidade de estocagem deve ser compatível com a capacidade de suporte do seu sistema. Isso depende do volume do viveiro, da taxa de renovação de água e, fundamentalmente, da capacidade de aeração. Sistemas com aeradores de pás ou aeração de fundo permitem densidades maiores, mas exigem um monitoramento muito mais rigoroso.
A biosseguridade não é um luxo, mas uma necessidade. A falta de protocolos para desinfecção de equipamentos, controle de acesso à fazenda e manejo de efluentes abre as portas para a entrada e disseminação de patógenos, como o vírus da Mancha Branca (WSSV) na carcinicultura.
Como evitar: Implemente barreiras sanitárias, como rodolúvios e pedilúvios na entrada da propriedade e dos setores de cultivo. Evite o compartilhamento de equipamentos entre viveiros sem a devida desinfecção. Além disso, desenvolva um plano de quarentena para a chegada de novas formas jovens.
O que fazer se a energia acabar e os aeradores pararem de funcionar? E se houver uma queda brusca de oxigênio durante a madrugada? A ausência de um plano de contingência para essas situações pode resultar na perda de um ciclo inteiro em questão de horas.
Como evitar: Tenha sempre um gerador de energia em perfeito estado de funcionamento e com combustível suficiente. Mantenha estoques de emergência de produtos para correção de parâmetros, como cal para o pH e probióticos. Treine sua equipe para agir rapidamente em cenários adversos, seguindo um protocolo claro.
A aquicultura moderna é baseada em dados. Limitar o monitoramento a uma única medição diária de oxigênio é insuficiente. Parâmetros como temperatura, pH e amônia podem flutuar significativamente ao longo do dia e da noite, e essas variações causam estresse crônico nos animais. Um bom planejamento de um ciclo de produção depende de dados precisos.
Como evitar: Realize medições de oxigênio dissolvido e temperatura no início da manhã (pior cenário) e no final da tarde (melhor cenário). Monitore semanalmente a amônia, o nitrito e a alcalinidade. O uso de sondas multiparâmetros pode otimizar esse trabalho e fornecer um panorama mais completo da saúde do viveiro.
“O que não se mede, não se gerencia”. A falta de anotações precisas sobre biometrias, consumo de ração, mortalidades, medições de parâmetros e manejo realizado impede a identificação de tendências, a correção de rotas e o aprendizado entre os ciclos.
Como evitar: Utilize planilhas ou softwares de gestão para registrar todas as informações relevantes do ciclo. Dados como a conversão alimentar aparente (CAA) e a taxa de sobrevivência são indicadores-chave de desempenho que só podem ser calculados com registros detalhados.
O manejo do fundo do viveiro entre um ciclo e outro é tão importante quanto o manejo durante a produção. A matéria orgânica acumulada (restos de ração, fezes e carapaças) se decompõe, criando um ambiente anóxico e liberando gases tóxicos que podem prejudicar o ciclo seguinte.
Como evitar: Após a despesca, o viveiro deve ser completamente drenado e o fundo exposto ao sol (secagem). A calagem é uma prática essencial para a desinfecção e correção do pH do solo. A remoção mecânica da camada superficial de lodo também é recomendada, especialmente em áreas de alimentação.
De nada adianta produzir um peixe ou camarão de alta qualidade se não houver um plano claro para a sua venda. Realizar a despesca sem ter um comprador definido ou uma logística de transporte adequada pode levar à perda de qualidade do produto e a uma negociação desvantajosa.
Como evitar: O planejamento de um ciclo de produção deve terminar com a estratégia de comercialização. Inicie o contato com potenciais compradores semanas antes da data prevista para a despesca. Planeje a logística, incluindo mão de obra, gelo e transporte, para garantir que o produto chegue ao seu destino com o máximo de frescor e qualidade.